08/04 - 21/04 - 2022
SOMSOCOSMOS 4
Fotografias de Amanda Obara
Leia abaixo os textos de Thais Barreto e Veronica Cerrotta
Curadoria - Curation
Antonio Sobral / Verónica Cerrotta
Equipe - Team
Alexandre Gwaz, João Gaborges, Ynaiê Dawson, Verónica Cerrotta
Residentes - Residents
Adeniran Balthazar Silva (BR) / André Silva Nectoux (BR) / Belén Gómez de la Torre (PE) / Federico Dopazo (AR) / Jess Tsang (USA) /
Marcos Felinto (BR) / Sandra X (BR) / Simon Grab (CH) / Thais Barreto (BR) / Vivi Rocha Jones (BR)
Convidades - Guests
Carol Melo de Brito / Circular Som Sistema / Emilie Beffara / Leviatã editora / Mirra Odara Brito de Nascimento / Pilar Contreras
Tantão
Colaboradores - Collaborators
Associação agroecológica Terra de Guaxo / Jocélia André / Kamyla Moreira / Maiana Tavares da Silva / Pedro Cerqueira
Apoio - Support
Pro Helvetia South America
Filme de Iago Mati sobre a experiência, com performance de Sandra-X e dos residentes participantes
Dia a dia
Portas abertas, Circular Som Sistema e atividades com convidades
Carta de Thais Barreto
Jaboatão dos Guararapes, 03/06/2022
Ainda é complicado reparar no corpo e separar de todas as mudanças das trocas, imersões, pessoas e lugar. Tem sido uma presepada tentar escrever a vocês (expressar em som é muito mais fácil ;) mas sei que vocês compreendem que transpor vivacidades em outras linguagens é um exercício sensível. Sendo assim tento deixar aqui algumas palavras como devolutiva:
Me inscrevi na residência buscando espaços de prática da linguagem sonora, escuta e oportunidade de silêncio, além de amizades, diversão e celebração. Buscava partilhar de experiências artísticas e dissolver o criar em formas mais diversas, e encontrei na RSJ um ambiente incitativo nisto, tanto pelo lugar quanto pelas pessoas e disposição técnica/criativa.
Minha experiência foi possibilitada pela bolsa parcial, que abarcou minha realidade plástica de pessoa-artista-técnica-prestadora de serviço, e foi uma grandíssima oportunidade de intercâmbio. Agradeço demais aos envolvidos na logística, produção, técnica, cuidados e também a acolhida na estrutura acomodativa. Acredito que grande parte da essência transformativa desse encontro foi proporcionada pela dedicação das pessoas, e sinto muito grata a todos e especialmente a todos que se dedicaram à nossa alimentação, do plantio à cozinha, nutrindo bem mais que fisicamente.
Na fazenda, a mata, os animais, a terra e as águas foram um presente, que abrandaram muitas das turbulências de viver na cidade-ruído que eu carregava no corpo. Pude ouvir sons indescritíveis, diversos, oportunos, e gravar vários deles também, e alguma coisa na fazenda me despertou sobre o fantástico.
Muitas aves, insetos, sapos, animais manipulando ondas, seja por cordas ou eletricidade, árvores, trovões e muitas águas. Alguns silêncios incríveis. O guaxo que canta atrás da casa no fim de tarde foi uma escuta celebrada, uma presença que realçou todo fim do dia. O canto reverso dessa ave me aguçou os ouvidos para efeitos dos efeitos, que passei a observar em minha pesquisa.
A disponibilidade e variedade técnica e de equipamentos proporcionaram muitos eventos conjuntos, jams e interação constante com o universo sonoro. Esses intercâmbios e a constante escuta faziam do ouvir um participar muito ativo.
O amor que encontrei nos outros residentes e equipe pelo universo sonoro é inspirador como uma planta que brota e estica gavinhas, e o contato com pessoas tão sensíveis e de expressões tão diferentes é uma eterna microfonia rs uma retroalimentação cheia de texturas e profundidades que acontece ali, casualmente, na sala da sinuca e que é difícil parar de ouvir porque permanece vibrando e vibrando e alimentando e vibrando
A atenção e cuidado nas práticas corporais facilitadas por primeiramente Gabi, depois Carol, assim como o partilhar da convivência com a Sandra X – que lida com o som da forma mais humana possível – foram bastante importantes para rearticular fisicamente minha criatividade, e dissolver a minha prática artística em processos criativos mais fluidos com meu corpo presente.
Dentre as muitas trocas criativas, absorvi muitas perspectivas de pensar o som e o acesso técnico permitiu experimentar quase que instantaneamente. Uma delas surgiu do contato com a Jess Tsang, que me fez repensar a materialidade do som e a inter-materialidade da criatividade, e esticou meu processo criativo para outras possibilidades muito divertidas.
Foi uma imersão de trocas de muitas diferenças na mesma linguagem, onde senti conforto e acolhimento, e pude transitar livremente. Experimentar foi consequência!
Senti um pouco de falta de escutas de sons não amplificados e de mais convívio com o silêncio coletivamente, que talvez tenha sido uma expectativa criada, mas compreendo que seja da natureza sonora que encontros assim sejam ruídos ahah
Em meio a imersão proporcionada por pessoas sensíveis e incríveis, e som/áudio, e diante de uma concepção sonora desconfigurada, ouvir e experimentar nesse ambiente foi um banho frio, calmo, alegre e gentil.
Os animais queridos companheiros e companheiros queridos, desde a recepção alegre do Farofa ao companheirismo do Scooby, às brincadeiras de Mel e os barulhos do Max caminhando com todos seus anos, o ronronar de Esther na janela, o piar dos sapos de noite… encheram meu coração de tanta graça que posso sorrir até agora.
Transitar permite aprender mais sobre os lugares, estruturas, marcas e matrizes, aprender ensina muito sobre o trânsito. Agradeço a vocês pela oportunidade de transitar, aprender e pela estadia :) também agradeço os encontros, onde colhi afeto, muito carinho, cuidado e risadas. Agradeço e admiro o trabalho e esforço de todos envolvidos e agradeço toda partilha de saberes e sensibilidades. Também deixo expressa aqui a minha gratidão às companhias do Scooby ao transitar à noite e a consultoria de som direto do Farofa.
Somsocosmos 4, por Veronica Cerrotta
A quarta edição desta residência sonora aconteceu entre os dias 08/04 ao 22/04, na Fazenda São João. Foi a pimeira residência sonora que conseguimos fazer depois da pandemia, depois das quarentenas, depois das vacinas.
Outra vez a convivência, outra vez conhecer novas pessoas, compartilhar comidas, quartos, espaços de lazer, de trabalho. Trocar idéias, referências, áudios e risadas. Planejar formações efêmeras de música improvisada. Gravar e caminhar por novos territórios, respirar o ar fresco da serra, assistir filmes, escrever, compor, tomar um banho de cachoeira, dar um mergulho no lago, e fazer uma grande fogueira, foram atividades que formaram parte de uma programação espontânea.
Marcos Felinto e Simon Grab desenvolveram o projeto The Gap, que teve apoio da fundação Suiça Pro-Helvetia. O mesmo incluiu uma oficina de exploração sonora, na Escola Municipal Marquês de Salamanca, com crianças de entre 3 e 9 anos. Além da oficina, os dois artistas realizaram performances e gravações no estúdio da residência.
Os demais residentes foram selecionados por chamada aberta. Thais Barreto recebeu uma bolsa parcial, que facilitou sua vinda à fazenda. Aqui trabalhou com gravações de campo, explorando sonoridades e ressonâncias próprias do entorno local.
Federico Dopazo e André Silva Nectoux receberam também uma bolsa parcial cada um, que tinham como contrapartida uma ajuda técnica. Federico mixou e masterizou o material gravado durante a residência, e André participou das sessões de gravação, como assistente dos técnicos de som.
Além das trocas, eles desenvolveram seus trabalhos com música e participaram de várias improvisações coletivas.
Durante o período de residência, montamos um calendário coletivo, que foi se alimentando das mais diversas propostas: cinema, sessões de escuta, leituras, caminhadas, workshops, meditação, ioga, fogueira, aniversârio, dentre outros.
Nesse contexto de propostas, convidamos o Circular Som Sistema, do Rio de Janeiro, para passar uns dias na residência, compartilhando seu triciclo-estúdo de som móvel. Durante alguns dias, os residentes puderam se familiarizar com este dispositivo e no dia sábado 16/04, realizamos uma intervenção na praça da rodoviária de São José.
Os residentes se apresentaram em formato solo ou em parcerias com outros. Inventar formações foi uma tônica desta edição.
Também recebemos o emblemático artista Tantão, que participou da projeção do filme Eu sou o Rio (de Gabraz e Anne Santos), que o tem como protagonista. Nesta residência, como na anterior, contamos com a presença de uma mini residente, a Mirra, filha de Marcos Felinto e Carol Melo de Brito, quem ofereceu aulas de ioga.
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Tivemos dois espaços para realizar gravações e ensaios: a biblioteca, que se converteu no estúdio principal, e que foi capitaneado por Alexandre Gwaz e João Gaborges, com assistência de André Nectoux e Verónica Cerrotta, e a capela externa, com um pequeno sistema de som para auto-gravações, rodeada de bambús e com uma reverberância hipnótica.
Ambos espaços tiveram uma grande demanda. Nessas sessões, foram gravadas as faixas que compõem o álbum Somsocosmos 4.
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Realizamos um evento de Portas Abertas, na sede da residência, onde os artistas apresentaram seus processos, trabalhos e experimentos para a comunidade local.
As cozinheiras desta edição foram a Jocélia André e a turma de Terra de Guaxo (associação agroecológica vizinha da residência): Kamyla, Maiana Tavares da Silva e Pedro Cerqueira.
A Gabriela Geluda, moradora da Fazenda, ministrou uma oficina de Técnica Alexander e outra de meditação, para os residentes.
As artistas Pilar Contreras e Emilie Beffara, que se encontravam realizando uma auto-residencia na Casa Figueira, participaram com uma instalação no evento de Portas Abertas, e compartilharam conosco, comidas e conversas.
Iago Matti e Amanda Obara, da Editora Leviatã (SP), realizaram um belissimo registro audiovisual, textual e fotografico da residência, disponivel na integra no site da editora.